Intercambio das Juventudes: Vivências, Anseios e Sonhos
- Vozes da Pedra Branca
- 9 de nov. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 10 de nov. de 2023
Debate sobre saúde e agroecologia com juventudes quilombolas, indígenas, caiçaras e periféricas do Rio de Janeiro e São Paulo
Por Hérick Santos e Camili Teixeira
Rio de Janeiro, 09 de Novembro de 2023
No final de outubro, um emocionante intercâmbio floresceu nos arredores do belíssimo Quilombo Boa Esperança, localizado em Areal, no Rio de Janeiro. Este evento reuniu uma vibrante tapeçaria de juventudes que ecoam as vozes ancestrais de comunidades quilombolas, indígenas, caiçaras e periféricas, em uma celebração inesquecível que aconteceu nos dias 27, 28 e 29.
Neste encontro singular, aproximadamente 60 pessoas se reuniram com um espírito de solidariedade e troca. Eles eram uma sinfonia de representantes locais, vindo de diferentes partes do Rio de Janeiro, desde a imponente Zona Oeste do Rio até as majestosas paisagens da Costa Verde, assim como emissários do estado de São Paulo.
Os participantes se mesclaram em uma tapeçaria cultural rica, com membros do Quilombo da Tapera, representantes o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) de Bonfim em Petrópolis. A Aldeia Rio Bonito e o Quilombo da Fazenda, enraizados nas exuberantes terras de Ubatuba, também trouxeram sua vitalidade e experiências únicas para a comunhão. Além disso, o Quilombo do Camorim, situado nas margens da Floresta da Pedra Branca, Rio de Janeiro, acrescentou mais uma camada de diversidade e sabedoria a este encontro inspirador.
O ambiente estava repleto de harmonia e aprendizado mútuo, onde tradições antigas se entrelaçaram com os anseios e sonhos das juventudes envolvidas. Esses três dias foram como um misto de culturas, experiências e perspectivas, onde a força da união se fez presente, dando voz a histórias e sabedorias que, de outra forma, poderiam permanecer silenciadas.
O intercâmbio faz parte das ações do Projeto Ará, que é coordenado pela Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), em colaboração com o Fórum Itaboraí, um programa da Fiocruz em Petrópolis, o Campus Fiocruz Mata Atlântica e o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, uma colaboração entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT). Além disso, uma série de organizações sociais, governamentais e comunidades se uniram como parceiras nessa iniciativa.
(Fotos de: Ana Paula, Angélica Almeida, Camili Teixeira e Hérick Santos)
O propósito fundamental deste intercâmbio residia na nobre tarefa de reunir corações e mentes com um enfoque sério e significativo: a partilha de sabedoria, a troca de experiências e a abordagem das lutas compartilhadas. Durante esses três dias de reflexão e diálogo, jovens representantes de diversas origens se reuniram para discutir temas relevantes, tais como seus direitos, os desafios que enfrentam, o protagonismo das juventudes e as estratégias para provocar mudanças positivas em suas respectivas comunidades.
Uma emocionante caminhada pelas históricas trilhas do Quilombo permitiu que moradoras e moradores compartilhassem relatos de coragem e resistência contra a escravidão, além de abordar as lutas contínuas pela dignidade e enfrentamento de desafios.
O ponto alto da jornada ocorreu no Morro da Pedra, onde as nascentes de água abastecem a comunidade. Ali, discutiram-se desafios estruturais, como a contaminação das águas, falta de saneamento, iluminação precária, transporte deficiente, problemas de infraestrutura e deficiências nas políticas de saúde.
Durante um diálogo enriquecedor entre gerações, os anciãos compartilharam valiosas histórias e conhecimentos, incluindo a tradição de fazer rapadura e melado no Engenho do Moinho, mantida por Celso da Cruz Fonseca e sua família. As mulheres da comunidade ofereceram uma autêntica degustação de pratos locais, promovendo a alimentação saudável e apoiando a geração de renda local.
Esse encontro não apenas nutriu o corpo, mas também enriqueceu a alma com histórias compartilhadas e a riqueza das tradições locais, destacando a resiliência, esperança e espírito comunitário no Quilombo.
Uma noite encantadora celebrou a rica ancestralidade negra e valores como o respeito à diversidade, unindo moradoras/es e visitantes através de atividades divertidas. Oficinas de capoeira, maculelê, brincadeira de "Escravos de Jó" com bambu e samba de roda encheram a noite de energia positiva e alegria.
No último dia, com a orientação da Fiocruz Petrópolis, um toque de natureza foi adicionado. Foi construída uma horta vertical repleta de ervas medicinais, plantas aromáticas e até mesmo plantas comestíveis não convencionais (PANCs). Essa horta especial seria um presente carinhoso para a escola que gentilmente acolheu a atividade, trazendo um toque de verde e saúde para a comunidade.
Os territórios e as questões relacionadas à violência foram discutidos em grupos, visando enfrentar desafios coletivamente e compartilhar os sonhos das juventudes para o futuro das comunidades. Essas discussões permitiram o reconhecimento de semelhanças e peculiaridades nas experiências vividas.
Os temas predominantes nas conversas foram explorados com a ajuda do Teatro do Oprimido. Essas representações teatrais abordaram questões como a regularização fundiária e o direito de uso dos territórios, segurança alimentar, a ausência de serviços públicos, violência de gênero, evasão escolar e gravidez na adolescência, oferecendo uma forma criativa e envolvente de expressar preocupações e ideias.
“A gente pôde perceber que todos os territórios têm quase o mesmo problema e só muda o endereço. Esta troca faz com que todos nós nos fortaleçamos e lutemos em prol de uma luta só que é a igualdade racial, que é a busca de uma vida mais sustentável por meio da agroecologia” afirma Estefanie Rodrigues Barbosa, coordenadora social, ambiental e fundiária da Associação dos Remanescentes do Quilombo de Boa Esperança (ARQBE).
Tupã Mirim, da Aldeia Rio Bonito, em Ubatuba, relata o mesmo senso de pertencimento e união entre as juventudes: “Este intercâmbio fortalece nossa resistência de luta e de conhecimento para as comunidades que vivem aqui, e não são diferentes de nós. É a mesma luta. Luta por terra, por demarcação. Eu espero que daqui para frente a gente possa estar mais junto enquanto indígena, quilombola e caiçara. É uma grande honra ser indígena e estar aprendendo junto para ajudar os nossos mais velhos na luta”, afirma.
Hérick Santos do Quilombo do Camorim, Zona Oeste do Rio de Janeiro destaca que foi possível reconhecer que as juventudes estão à frente dos processos de participação política em diferentes organizações sociais e de mobilização social nos territórios, somando esforços com as pessoas mais antigas das comunidades.
“A gente estava pensando como seria fazer um intercâmbio com tantas regiões distantes e diferentes. Hoje, olhando pra tudo como se formou, eu vejo que não é tão distante: as histórias, as dificuldades, os sonhos são tão próximos, que parece que a gente cresceu junto e todo mundo vivencia as mesmas coisas. É uma coisa muito potente que não vai parar por aqui, eu tenho certeza!”, reflete.
Durante o encontro, enfatizou-se o papel da agroecologia na promoção da saúde, não apenas através de práticas sustentáveis, mas também como uma proposta para reconfigurar os laços entre as pessoas e com a natureza. Essa abordagem visa quebrar barreiras, superar desafios e reduzir desigualdades, criando uma atmosfera de harmonia e equilíbrio entre todos os elementos.
Marcelo Izaias, assistente social do Fórum Itaboraí, afirma que estar em contato e reflexão com outras comunidades contribui para que as/os jovens tenham uma visão mais crítica, desnaturalizem violências e construam alternativas diante das ameaças aos seus territórios.
“Alguns temas abordados vão fazer com que os jovens tenham mais fôlego para desenvolver as ações comunitárias. Neste intercâmbio, tiveram oportunidade de ver que outros jovens têm as mesmas dificuldades, conseguiram resolver ou estão em processo de resolução de algumas questões e que eles podem trocar essas ideias”, pontua.
Desde o início do projeto Ará, as juventudes têm sido parceiros fundamentais para a ação local. A partir de maio de 2023, uma série de reuniões com as jovens do Ará foi retomada, e elas desempenharam um papel ativo na criação deste intercâmbio, trazendo vitalidade e perspectivas inspiradoras.
Essa colaboração contínua entre as gerações fortalece o vínculo da comunidade e aprofunda a troca de saberes. Juntos, eles construíram uma plataforma de esperança e empoderamento para o futuro.
Este texto reproduz e adapta trechos da matéria "Fiocruz debate saúde e agroecologia com juventudes quilombolas do Rio de Janeiro e São Paulo", escrita pela comunicadora Angélica Almeida da Agenda de Saúde e Agroecologia da Fiocruz.
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